23 maio 2009

Operação Morte: lutando do outro lado da guerra


A II Guerra Mundial - por sua complexidade, duração, abrangência e violência - é de longe o conflito que mais serviu como tema e inspiração para livros, filmes e HQs nos últimos setenta anos: relatos reais e fictícios sobre atos heróicos e atrocidades, filmes de ação ou romance que usam aquele cenário como pano de fundo, enredos com complôs e intrigas.

Um dos temas menos explorados é o tratamento desumano e cruel dispensado aos soldados por seus oficiais, e também a doutrinação a que são submetidos esses jovens ainda em processo de formação intelectual. Ainda mais quando a história vem de um país fora da Europa Ocidental ou Estados Unidos.

E é esse o assunto do mangá Operation Mort (Operação Morte), publicado em 2008 pela editora francesa Cornélius, mas que também pode ser classificado como uma graphic novel. O autor Shigeru Mizuki, desconhecido no Brasil, é respeitado no Japão e teve uma bela exposição sobre sua obra no Festival de Bande Dessinée de Angoulême, na França, em janeiro último.

Mizuki nasceu em 1922 e estava na idade certa para ser enviado à frente de batalha quando a II Guerra chegou. Foi lá que ele contraiu malária e perdeu seu braço esquerdo e muitos de seus companheiros. Em 1957 começou a carreira de mangaká e somente trinta anos após a guerra ele conseguiu superar a experiência traumática e passar sua história para os quadrinhos.

Segundo o autor, a história é 90% verdadeira, e se passa na Ilha da Nova-Bretanha, parte do Arquipélago das Ilhas Bismarck, e que fica em Papua Nova-Guiné, no Oceano Pacífico. Mizuki era um soldado do Exército Imperial Japonês e foi obrigado, junto com cerca de outros quinhentos companheiros, a empreender um ataque suicida contra as tropas norte-americanas que desembarcavam na ilha.

Nessa obra de fôlego, com 350 páginas, com desenhos em preto e branco que mesclam paisagens extremamente detalhadas e realistas com personagens com traços mais caricaturais e simplificados, Mizuki constrói uma narrativa poderosa e incomum. Aos poucos, vamos conhecendo a vida dos militares nos dias que antecedem o combate: a natureza exuberante mas que esconde muitos perigos, a falta de alimentos, o desprezo e os mau tratos sofridos pelos soldados por parte dos oficiais, que os viam como escravos ou serviçais.

Segundo Mizuki, o exército japonês considerava os soldados como uma simples mercadoria, iguais a sapatos ou armas, e na hierarquia militar havia os oficiais, os cavalos e depois os recrutas. Essa visão e esse tratamento, que finalmente levam à ordem de se realizar um ataque suicida, mas do qual os oficiais mais graduados não tomarão parte, vai minando a determinação da tropa, que sempre foi doutrinada com os ensinamentos sobre honra e completa obediência ao Japão e seu imperador.

Os mangás que chegam até nós, no Brasil e até mesmo na França e Estados Unidos, com algumas exceções, privilegiam a produção comercial feita em série. Esse Operation Mort é uma oportunidade de se conhecer um pouco desse outro lado dos mangás, feitos para pensar e discutir, com relatos sensíveis e importantes sobre a cultura oriental.

Concluindo seu posfácio, Mizuki diz "Os mortos jamais poderão contar sua experiência na guerra. Eu posso. Enquanto desenho essa história em quadrinhos sobre o assunto, eu sinto a cólera se apossar de mim. Impossível lutar contra. Sem dúvida esse sentimento terrível me invade através das almas de todos esses homens mortos há tanto tempo".

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